Cinquenta anos depois de Sierra Maestra, crentes aproveitam o momento de abertura politica e promovem uma revolução espiritual na ilha.
Por Jeremy Weber
Ande pelo Parque G de Havana numa sexta-feira à noite e você verá como Cuba precisa de Cristo. Durante o dia, o parque, no centro da capital, oferece um prazeroso passeio pela imensa avenida de três faixas ao longo da costa do golfo cubano. Mal o sol se põe, no entanto, e o Parque G se torna uma zona sombria onde jovens cubanos, vestidos como os aficionados por jazz ou de maneira exótica, se reúnem para fumar, beber e consumir drogas. Casais se escondem sob os arbustos da mesma forma como músicos se reúnem debaixo das luzes da rua. Por volta de uma hora da manhã, um outro grupo chega. Também são jovens, mas seu objetivo é outro: de mãos dadas, formam um círculo para orar. Em voz alta, eles clamam a Deus pela salvação de Cuba, situação inimaginável para quem aprendeu a enxergar a ilha do Caribe como um bastião comunista onde a simples menção ao nome de Jesus seria proibida. A curta distância, um policial apenas observa a cena, demonstrando até algum interesse. Sinal dos tempos.
Os jovens pertencem à Alcance Vitória, uma igreja evangélica cubana formada em 2003 com o apoio da Nicky Cruz Ministérios. A maioria dos seus membros são jovens e há muitos novos convertidos, o que indica que o evangelismo tem sido intenso. Em suas fileiras, há diversos ex-viciados em drogas, gente que ouviu a Palavra ali mesmo, no Parque G, e decidiu mudar de vida pela fé. Todas as semanas, o pessoal da igreja sai pelas ruas de Havana em busca de almas para Cristo. “Muitas igrejas manifestam sua fé dentro de seus muros, quando a igreja precisa estar aqui na rua”, pontifica o evangelista Obeda, com seu cabelo cheio de dreadlocks, no melhor estilo rastafari. Ele usa o sorriso brilhante, que faz um belo contraste com sua pele escura, para ganhar a confiança das crianças de rua, a quem fala do amor de Deus com entusiasmo. Obeda resume seu trabalho em uma frase: “Nós estamos roubando almas do inferno.”
O estilo de abordagem deles é direto – “Oi, eu sou um cristão, e gostaria de falar com você a respeito de Jesus” – e traz resultados. A igreja tem 500 membros, e os líderes esperam acrescentar outro tanto até o fim deste ano. O líder dos evangelistas de rua, Manuelito, mostra que não tem medo de ser preso. “Se eu não tinha medo quando estava usando drogas nesse parque”, comenta, “por que deveria temer agora, que eu tenho a verdade?” Segundo ele, a atuação da igreja ajuda a combater a crescente onda de uso de drogas nas ruas das principais cidades cubanas, um drama moderno que tem ganhado força com a progressiva abertura do país ao mundo. O evangelismo militante revela que a percepção da Igreja mundial sobre o cristianismo em Cuba se mostra tristemente obsoleta. “Aqui em Cuba, a Igreja está viva, crescendo, fiel e ativa, perseverando em meio às dificuldades”, afirma Manuelito. “Nós estamos trabalhando em nosso país agora, e, algum dia, vamos alcançar qualquer pessoa através da atividade missionária no mundo”.
Desde a revolução de 1959, há exatos 50 anos, quando Fidel Castro e seus homens de Sierra Maestra tomaram o poder e fizeram de Cuba a única nação comunista do Ocidente, a expressão religiosa tem enfrentado severas restrições. Seguindo a cartilha de Moscou, o governo local, patrocinado pela extinta União Soviética, baniu padres e pastores, fechou igrejas e deu um sumiço em muita gente que insistia em desobedecer. Desde a década de 1990, muitas mudanças afetaram os 11,4 milhões de habitantes de Cuba. Após a queda do bloco comunista, a economia subsidiada de Cuba entrou em colapso, gerando uma grave crise econômica, agravada pelas décadas de embargo econômico imposto pelos Estados Unidos desde a Guerra Fria. Produtos básicos, como alimentos, remédios e até papel higiênico sumiram das prateleiras. Muita gente atravessou, para baixo, a linha da miséria.
Em 1992, uma decisão do Partido Comunista mudou a Constituição para classificar Cuba não mais como “ateísta”, mas apenas “secularista”. Seis anos depois, o papa João Paulo II visitou o país, um evento emblemático que aumentou a expectativa quanto a uma efetiva abertura religiosa. A globalização e a doença que afastou o eterno Fidel do poder, em 2006, se encarregaram do resto. Hoje, a Igreja cubana prospera, apesar de suas limitações, e seus líderes pedem que ela não seja usada como um fantoche. “Nós somos parte do corpo de Cristo no mundo, apesar de as pessoas nos olharem apenas com um olhar político”, diz um orgulhoso líder evangélico cubano, que ainda prefere o anonimato. “A estas pessoas, nós dizemos: Venham e vejam.”
Avivamento à cubana – A nova geração de crentes e pastores cubanos, todos nascidos sob o regime comunista, estão aproveitando os novos ventos. Seu atual zelo evangelístico pode ser resumido em uma recente modificação de um antigo slogan da Igreja local. Ao invés de clamarem “Cuba para Cristo”, como fizeram, meio sufocados, durante os anos de chumbo, os cristãos agora enchem os pulmões para gritar: “Cuba para Cristo – ahora”. O senso de urgência na divulgação do Evangelho tem a ver com o atual momento social do país. A depressão econômica e o concomitante reavivamento despertou a fome espiritual de muitos cubanos, em sua maioria católicos romanos. Essa dramática frequência massiva aos cultos formais e o crescimento explosivo de novas casas cultos (igrejas domésticas) são dois sinais impossíveis de serem ignorados da vibração do cristianismo cubano de hoje. As Assembleias de Deus, disparado o maior grupo protestante de Cuba, hoje com cerca de 3 mil igrejas, registraram por anos suas novas congregações em um grande mapa de parede de sua sede nacional. Mas, quando o crescimento explodiu, os dirigentes pararam de adicionar alfinetes vermelhos, pois se tornou impossível mostrar todas as novas congregações que surgiam em apenas um mapa.
A igreja Eastern Baptist, a segunda maior denominação protestante de Cuba e historicamente ligada à American Baptist Church (Igreja Batista Americana), cresceu de pouco mais de 6 mil membros adultos e 120 pontos de pregação, na década de 1990, para 28 mil fiéis e 1,2 mil congregações. Foram mais de 3 mil batismos ano passado, um recorde na centenária história da denominação. O crescimento do Corpo de Cristo no país é generalizado, incluindo dos tradicionais metodistas à Los Pinos Nuevos, uma igreja de liderança indígena. Hoje, evangélicos e protestantes representam cerca de 5% da população da ilha, alguma coisa perto de 600 mil pessoas. Essa expansão tem sido mais robusta em áreas urbanas e é alavancada pelo ativo trabalho das igrejas nos lares, legalizados na década passada.
No subúrbio de Havana, numa típica casa culto, 14 pessoas se comprimem na apertada sala de uma casa simples. A maioria dos crentes ali são mulheres idosas. Várias delas são egressas da santeria, crença sincrética afrocaribenha bastante popular no país. O dono da casa converteu-se ao Evangelho após assistir ao batismo de sua mulher, e abandonou a santeria. Onde antes havia um altar com imagens, agora há apenas flores. As vozes ecoam pelas pálidas paredes azuis quando os crentes cantam Somos el pueblo de Díos, acompanhando a letra numa pasta de papel. Eles fazem muitas orações, geralmente por pedidos trazidos pelos frequentadores ou membros de famílias desconhecidas. No fim do culto, cada um lê em voz alta os versículos extraídos de uma caixa de promessas.
“A visão do nosso grupo é a de se multiplicar e se dividir”, explica o pastor, um homem de seus 30 anos. “Agora somos pequenos, mas nós iremos nos multiplicar”, afirma, cheio de fé. Ele explica que é comum a prática do evangelismo de casa em casa, quando os vizinhos são convidados a participar das reuniões domésticas. “Este é nosso trabalho, trazê-los para a igreja, até que toda Cuba seja de Cristo”, recita.
Falta de pastores – Diferentemente da simplicidade dos cultos nos lares, a celebração da Alcance Vitória oferece um impressionante exemplo da multiplicação de crentes em Cuba. Antes da reunião, uma mistura multirracial e colorida de jovens chega em ondas, até que umas 250 pessoas enchem o templo cor de rosa. O carismático pastor, de alta estatura, enxuga frequentemente o suor da cabeça enquanto prega sobre o poder de Deus. Si, se puede (“Isso pode acontecer, sim”), afirma, enquanto fala da possibilidade de o Evangelho mudar a vida de uma pessoa. A multidão explode em animadas palmas para cantar a música Gozo em tu presencia, acompanhada por instrumentos de sopro num ritmo de salsa. Eles também pulam harmonicamente na versão cubana de I’m Trading my Sorrows (“Estou tirando minha tristeza”). Obeda e Manuelito, com as mãos levantadas e expressão exuberante, fazem exatamente o que a música sugere.
“Estamos em um reavivamento da igreja. Isso é resultado do mover de Espírito de Deus e do testemunho da Igreja cubana”, destaca outro líder evangélico. Mas não é só isso. Outros fatores incluem as centenas de pastores recebendo treinamento especializado em evangelismo e implantação de igrejas nos últimos anos. Por outro lado, as igrejas nas casas oferecem mais acessibilidade do que os templos formais, e ali as pessoas que ainda temem alguma retaliação oficial podem expressar sua fé sem medo. A ação dos crentes não fica só no proselitismo. Depois dos furacões que devastaram Cuba em 2008, as igrejas locais encetaram um grande mutirão de ajuda aos desabrigados. Os crentes repararam os telhados quebrados das casas da vizinhança antes mesmo de fazer reparos em suas próprias residências. Isso fez com que os evangélicos ganhassem um novo respeito da comunidade. “É importante que o evangelho esteja vivo”, diz um pastor. “É isso que faz as pessoas notarem que há algo diferente nos cristãos”.
Proibidos por anos a fio, os seminários e escolas teológicas agora se multiplicam pela ilha. O número recorde de matrículas expressa as necessidades urgentes da Igreja por liderança qualificada. Muitos seminários abriram suas portas para pastores de fora de suas denominações, e agora oferecem um bom lugar para o treinamento de jovens pastores, ministros de louvor e missionários. “A igreja ainda está crescendo mais do que nossa capacidade de produzir líderes”, afirma o reitor de um seminário. “Mas nós estamos apertando o passo”. A igreja Western Baptist, historicamente ligada à Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, possui 94 estudantes em seu seminário em Havana, e outros 400 em sete campi abertos nos últimos três anos. A Igreja do Nazareno, por sua vez, disponibiliza módulos de ensino à distância para duzentos alunos desde Pinar del Rio, no extremo oeste do país, até Guantánamo, no leste. A graduação de 73 estudantes no ultimo ano foi a maior nos cem anos de história da denominação.
Os campi de extensão beneficiam seminaristas que não podem se deslocar ou não têm disponibilidade para estudar em horário integral. Pastores locais, voluntários, atuam como mentores dos aprendizes. Mario, um pastor de 33 anos, toda terça-feira deixa a mulher e duas filhas em casa e viaja 35 quilômetros, pedindo carona desde a sua Igreja Batista, que tem 70 membros, até um instituto bíblico para ensinar o Novo Testamento. A viagem pode levar até três horas. “É um sacrifício deixar meu rebanho sozinho, mas vale a pena”, garante o religioso. “Nós devemos treinar novos pastores agora”.
A média de trabalho diário de um pastor cubano é de doze horas, ocupados com casamentos, funerais e visitas pastorais. “Nós temos dois tipos de pastores: aqueles que são incendiados e aqueles que incendeiam”, brinca um dirigente da igreja Western Baptist, que ordenou em sua congregação mais de 200 pastores. “Porém, é um bom problema quando pessoas querem bíblias ou quando algumas localidades querem pregações”. Esse crescimento tão acelerado, evidentemente, pegou a Igreja Evangélica cubana desprevenida. Os pastores tiveram que abandonar os modelos tradicionais de liderança e a delegar responsabilidades a líderes leigos. “A Igreja está crescendo porque os pastores desataram seus poderes”, defende um pastor de 34 anos, da região central do país. Nas regiões rurais, onde a carência de obreiros é quase absoluta, igrejas domiciliares estão permitindo aos missionários leigos conduzir batismos e casamentos, porque os pastores não podem viajar o suficiente para dar conta da demanda.
Lideres dos seminários cubanos consideram a falta de pastores um desafio, mas também, uma confirmação divina do trabalho deles. “Uma escassez de pastores é o que o Senhor nos disse que iria acontecer”, diz um professor, citando Mateus 9.37. “O problema seria se nós tivéssemos uma abundância de trabalhadores e não tivéssemos colheita. Espero que sempre haja falta de pastores – isso significa que a obra de Deus está prosseguindo”. “Antes, a Igreja perguntava ‘Como nós vamos sobreviver’”, diz um pastor de Pinar del Rio. “Agora, a pergunta é: ‘Como vamos nos multiplicar?’”.
Área nebulosa – Os evangélicos de hoje estão tirando proveito dos seus direitos e explorando as fronteiras da área nebulosa que o governo cedeu para o evangelismo. É uma situação curiosa – os crentes têm liberdade para evangelizar em público, mas não para fazer proselitismo. Isso se torna uma questão de interpretação. Assim, os evangélicos não podem usar um estádio ou um programa de TV para realizar um evento, mas podem distribuir folhetos ou outros materiais evangelísticos nas ruas. Aí, o que vale é ter iniciativa. Uma rede de igrejas Pinar del Rio está enviando jovens pastores em bicicletas às cidades da região, para achar novos crentes e transformar suas residências em casas cultos. Uma igreja batista de Havana oferece aulas de dança e música para crianças. A Alcance Vitória, por sua vez, iniciou um círculo de oração de cem pessoas às terças-feiras à noite, em El Malecón, um dos principais pontos turísticos da capital e que, devido à presença de estrangeiros, é uma área de prostituição, onde as jiniteras oferecem seus serviços.
As igrejas Batistas do Leste de Cuba, uma área resistente à evangelização devido ao crescimento da pobreza e da santeria, está se tornando um centro protestante. Ali, está em curso a “Operação Andrew”: cada crente escreve em um cartão o nome de dez pessoas que deseja ganhar para Cristo, com o compromisso de orar por isso durante dois meses. Ao final do período, elas são convidadas para um culto especial de evangelismo. Outras igrejas organizam jogos de beisebol aos domingos, não sem antes fazer uma reflexão bíblica com os participantes. Esse esforço para maximizar o espaço entre a legalidade e a tolerância requer paciência. Depois que as autoridades locais vetaram a exibição pública do filme evangelístico Jesus em Malecón, um líder da Igreja Batista mandou um recado para os organizadores de evangelismo: “A Bíblia diz que nós devemos orar todos os dias; então, não gastem isso tudo em uma noite.”
Viajando pelo leste da ilha, as palmeiras se tornam mais robustas na medida que aumenta a altitude. A rodovia se estreita em duas faixas, com cercas de cactos em cada lado. Ali, o tipo humano mais comum são os fazendeiros a cavalo, com seus chapéus de palha, camisas abertas e rostos cansados. Essa região, entre Cinfuegos e Camaguey, foi por décadas uma terra sem presença evangélica. Agora, os missionários acorrem de toda parte de Cuba para trabalhar nos numerosos vilarejos locais. E assim, aos poucos, a mítica ilha vermelha vai conhecendo o Evangelho.
Uma visão comum sobre os cubanos cristãos é que a fé deles sobreviveu, escondida em uma caixa isolada, ao controle do Partido Comunista sobre a informação e o movimento das pessoas. Mas a Igreja cubana tem agora uma visão firme do seu papel como agência missionária e multicultural. Uma intrigante escultura de madeira sobre o muro da capela de um seminário em Havana expressa essa perspectiva global. A peça mostra o mapa de Cuba com flechas saindo da ilha e implantando o cristianismo em todos os continentes – inclusive na Antártica.
“A Grande Comissão é mais responsabilidade nossa do que das igrejas americanas”, sentencia um pastor da região central de Cuba. Líderes de todas as denominações acham que os cubanos estão bem preparados para a obra missionária. Afinal, eles sabem viver na escassez, possuem uma boa apologética e seriam melhor recebidos em nações em desenvolvimento ou não-democráticas que os obreiros dos EUA. Sabendo que muitas igrejas possuem a maioria dos membros com um grau acadêmico e profissional avançado, o modelo de missionário cubano poderia ser o daquele que trabalha como médico ou engenheiro de dia e implanta uma igreja à noite.
Num culto com a presença da reportagem, 22 pastores de nove diferentes igrejas se reuniram numa capela para o seu primeiro café da manhã interdenominacional. Eles formaram um círculo, com as mãos dadas, e cantaram o hino En Cristo somos uno, acompanhados apenas por um teclado. Após as orações, o grupo dividiu-se em animadas rodas de conversa. “Antigamente, nossas denominações cresciam em casulos”, disse um dos líderes presentes. “Hoje, nós compartilhamos a visão de sermos o mesmo corpo e estamos conscientes do nosso propósito comum: a grande colheita que temos em mãos”. Um colega de ministério fala o que sente: “É claro que desejamos mais liberdade, mas eu não queria que isso custasse a nossa atual paixão pelo Evangelho”. Outro pastor completa: “Talvez Deus tenha nos limitado para nos ensinar e nos fortalecer. Assim, quando nos for concedida mais liberdade, nós estaremos preparados.”
Fonte: CristianismoHoje.